segunda-feira, 20 de junho de 2005

Martim Moniz pela liberdade



1. A Frente Nacional é um movimento de cidadãos não racista, cujos pilares da sua existência se apoiam “no orgulho por serem da raça branca” e na urgência de expulsar do país todas as restantes etnias. A Frente Nacional, constituída por cidadãos que já são portuguses-brancos “há mais de oitocentos anos”, anuncia (após um profundo trabalho de investigação científica) que os “únicos responsáveis pelo crescimento dos índices de criminalidade são os “pretos, os ciganos e os marroquinos” (curiosa a súbita ascensão de uma nacionalidade a raça). A Frente Nacional, não sendo racista nem xenófoba, manifesta-se hoje, dia 18 de Junho, nas ruas de Lisboa, “pela liberdade, contra os imigrantes e contra a criminalidade”, a qual, como afirmam, apenas visa prejudicar os brancos e da qual só estes são vitimados.
A Frente Nacional diz que isso se vê facilmente nas prisões portuguesas: estão povoadas de negros, ciganos, cartigineses… E brancos? Quase nem vê-los…
À festa junta-se o PNR (Partido Nacional Renovador) que pronto, nem comento.

2. Tenho mesmo que relembrar a esses senhores a cor das pessoas que integram os imigrantes num vergonhoso sistema de exploração de mão-de-obra? Tratá-los como bichos, não é crime? Tenho mesmo que referir a cor das redes organizadas de tráfico de droga, dos seus barões, que não tão poucas vezes se aproveitam desses impuros, desses não-portugueses de outras cores (obrigados a viver em condições miseráveis e, por força do contexto em que vivem, mais vulneráveis ao negócio) para encherem as gavetas de ouro e buzinarem nos seus popós novos? Não é crime? A cor já não conta?

3. E que Portugal é esse que querem resgatar com esse orgulho com mais de oitocentos anos? O medieval? O das repressivas conquistas coloniais? O de Salazar (sim eu sei que é este…)?
O Portugal profundo, apaixonado e livre não é de certeza. O Portugal de Carlos Paredes, de Sérgio Godinho, de Eugénio de Andrade, de Sophia, de José Afonso, de Amália Rodrigues… o Portugal de todos os que realmente deram alma ao “nosso sentir” não é de certeza. E, assim sendo, o que querem recuperar só pode ser o Portugal-nenhum.

4. A ousadia de denominar esta iniciativa, entre outras coisas que se ajustam melhor ao doentio perfil da Frente, como manifestação “pela liberdade” deixa-me absolutamente incrédulo. Há alturas em que tenho vergonha de ser humana. A nossa raça, a humana (única raça que realmente temos – depois há a raça leão, a raça elefante, a raça borboleta), precisa de quantos séculos mais para se autodestruir?Ou quantos milénios precisa mais para aprender a importância de se pôr em prática valores como liberdade e tolerância?

Sábado, 18 de Junho de 2005 - a quente.