terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Insularidades


Alberto João Jardim é, por vontade própria, um político polémico. Alberto João Jardim é, por vontade própria, um provocador. Mas é, também, e a sociedade não se pode alhear a esse facto, o grande responsável pelo exponencial crescimento daquela que era a ilha/zona mais pobre da União Europeia, aquando da nossa chegada à UE. E, por vontade própria, Alberto João Jardim alterou o que parecia o futuro predestinado daquela região insular.

Perguntavam-me, há umas horas atrás, o porquê desta sua demissão. Birrice? Querer dar nas vistas?

Alberto João Jardim é, por vontade alheia, expressa em votos, o garante do dia-a-dia e, neste caso, do futuro, da Madeira. Foi eleito, há dois anos e meio, com maioria absoluta, com base num programa eleitoral, exequível, que previa os habituais fundos europeus e nacionais. O actual governo resolveu alterar as regras. Bem ou mal, Alberto João Jardim deixará de contar com os dinheiros que previa e, inevitavelmente, com a capacidade financeira para executar algumas das suas propostas eleitorais. Jogo baixo, talvez, este de alterar as regras do jogo não participando nele. Mas, sobre Sócrates, um blogue inteiro não chegava para a análise de incoerências.

Alberto João Jardim fez bem, a meu ver, em abdicar do seu mandato. Candidatou-se, há dois anos e meio, com um programa eleitoral, para quatro anos, que previa determinados fundos. O governo central, egocentricamente, cortou-lhos. Urge fazer um novo programa, menos audaz. Urge fazer um novo programa adequado às novas imposições do continente.

Mais modesto, o novo programa eleitoral, a ser votado daqui a dois ou três meses, será bem mais real. E adaptado à realidade vigente.

A posteriori - Os Açores, que Sócrates queria salvaguardados por governados por socialistas, sofrem, a prazo, com a lei aprovada. Alberto João Jardim, por sapiente e experiente, dá a bofetada de luva branca a Sócrates.

A má gestão política acaba, inevitavelmente, nisto. Ganham-se referendos (não políticos e mal politizados), e perdem-se votantes (onde as aspirações socialistas começavam a crescer)...

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ADENDA - Publicado, originalmente, aqui.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Descrença na cidadania e na responsabilidade cívica


Num referendo acerca de uma matéria tão sensível e de índole tão pessoal, a minha descrença na validade de uma consulta popular neste país aumentou .
Com cerca de 900 freguesias por apurar, neste momento, a abstenção ronda os 58%. Abaixo de referendos anteriores, é certo, mas impensável num país que se quer mais empenhado, mormente em actos de responsabilidade cívica. Além disso, depois de uma campanha, de parte a parte, mais interessada, mais participada e participativa, mais efectiva.
À semelhança do referendo de 1998, não sendo um resultado vinculativo deverá ser, agora, devidamente legislado, com todos os prós e contras que da lei a criar possam advir.
Em primeira análise, e ainda a quente, vergonha por ser concidadão de uma maioria que se abstém de exercer um direito adquirido à custa do sacrifício de muitos.

Uma análise mais aprofundada dos resultados e das suas consequências num outro post, ainda a elaborar.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Sobre o início da vida.

Eu andava a pensar isto e não sabia como o explicar.
Andava a passear por aqui, porque não é conveniente a cegueira em questões tão sensíveis como esta, é preciso querer ver tudo, e encontrei um excelente texto da autoria de J. L. Pio Abreu (Psiquiatra e Professor na Universidade de Coimbra).
Não tenho muito mais a acrescentar (ou então acrescentaria uma lista sem fundo de ideias) a esta questão do referendo sobre o aborto. Escolho o amor.




"Nas discussões sobre o próximo referendo, raras vezes tenho ouvido a decisiva palavra: amor. Tenho ouvido, sim, sobretudo pela parte dos adeptos do não, um fundamentalismo irracional cheio de zanga e intolerância, um desprezo punitivo pelos momentos mais dramáticos das mulheres concretas, reais e normais. Enquanto olham para os adeptos do sim (felizmente a maioria) como criminosos, os fundamentalistas do não compensam o seu desamor pelas pessoas existentes com a proclamação do amor por princípios, dogmas, seres em potência, não existentes como realidade concreta nem como objectos passíveis do amor das pessoas.

O que mais se vê aqui é desamor. Significativamente, em nome de uma “verdade científica” proclamada por quem nada sabe de ciência e que não sabe sequer que a ciência é avessa aos dogmas, procura a dúvida e tem de ser tolerante. Os adeptos da nova moral biológica esqueceram-se da espiritualidade, caindo paradoxalmente num materialismo simplório: uma célula ou um conjunto delas chega para definir uma pessoa. Não se questionam mais. Nem se questionam sequer sobre o destino que deram aos biliões de espermatozóides ou às dezenas de óvulos que geraram dentro de si.

Aceito que muitos adeptos do não terão passado por experiências decisivas que marcaram as suas opções. Não duvido do seu amor aos filhos que tiveram, eventualmente em circunstâncias difíceis, ou que desejaram ter. Esses filhos, mesmo em potência, têm toda a dignidade humana porque foram desejados. Não é porém o caso de quem se vê obrigado a fazer contracepção ou a interromper uma possível gravidez.

Como psiquiatra, sei que os abortos, espontâneos ou provocados, fazem parte da vida de quase todas as mulheres. Alguns podem passar sem sofrimento, excluindo o trauma e a perda de liberdade que resulta do aborto clandestino, ou o drama de transportar o segredo no seio de famílias conservadoras e fundamentalistas. Excluindo também a culpabilidade gerada nas campanhas para os referendos. Toda a questão é saber se a criança era desejada ou não, e qual o empenho amoroso dos pais que, por vezes, já tinham um nome para ela. Neste caso, tratava-se de um ser humano, fosse qual fosse o tempo de gestação.

Nem sempre é assim, e muitas gravidezes iniciais nem sequer são percebidas, se não negadas. Existem mesmo gestações destinadas à adopção (embora uma mulher que prossiga uma gravidez a termo possa criar, por vezes desesperadamente, laços com a criança que vai nascer). Mas se não for a mãe biológica, alguém que encontre a criança irá ter compaixão e amor por ela, e será esse o seu verdadeiro nascimento como pessoa. Sem isso, nem sequer sobreviveria.

O que dá o estatuto humano ao novo ser, seja ele um recém-nascido, feto ou ser em potência, é o primeiro acto de amor para com ele. Curiosamente, é essa a grande verdade que o ritual religioso do baptismo nos ensina."


Ilustração: Edward Hopper, Morning Sun