domingo, 23 de setembro de 2007

Constatação

Era uma vez um blogue em que dois meninos postavam sobre temas da actualidade, com total liberdade textual. Esse blogue foi esmorecendo. Uma vez, primeiro. Segunda vez, agora. Coloca-se a questão: à terceira é de vez?. A ver vamos. Mas desejamos que assim seja. Em breve.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Sócrates e a Independente


Não me impressiona, grandemente, o facto de José Sócrates ser, ou não, licenciado. Da mesma forma que a sua entrevista também não me impressionou. Por esclarecer, ficaram vários pontos relativos à sua ligação ao antigo reitor da Universidade Independente, bem como ao porquê de o diploma ter sido emitido a um Domingo ou ao facto de não ter sido necessário um certificado de avaliações e equivalências aquando do seu ingresso naquela instituição. O seu ar de vítima, um tanto ou quanto forçado, não me deixou minimamente contristado. E também não cheguei a qualquer conclusão quanto à possível relação entre o caso Licenciatura de Sócrates e o encerramento compulsivo da UnI. Ou, ainda, quanto às alegadas pressões que o seu gabinete e o próprio primeiro-ministro terão tentado exercer sobre jornalistas (sobre este ponto existem, já, várias versões díspares). Em suma, pese embora o facto de ter achado a entrevista extremamente bem conduzida por José Alberto Carvalho e Maria Flor Pedroso, não a achei minimamente esclarecedora. E era isso que o país devia exigir. Esclarecimentos concretos e não aparentes meias verdades.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Insularidades


Alberto João Jardim é, por vontade própria, um político polémico. Alberto João Jardim é, por vontade própria, um provocador. Mas é, também, e a sociedade não se pode alhear a esse facto, o grande responsável pelo exponencial crescimento daquela que era a ilha/zona mais pobre da União Europeia, aquando da nossa chegada à UE. E, por vontade própria, Alberto João Jardim alterou o que parecia o futuro predestinado daquela região insular.

Perguntavam-me, há umas horas atrás, o porquê desta sua demissão. Birrice? Querer dar nas vistas?

Alberto João Jardim é, por vontade alheia, expressa em votos, o garante do dia-a-dia e, neste caso, do futuro, da Madeira. Foi eleito, há dois anos e meio, com maioria absoluta, com base num programa eleitoral, exequível, que previa os habituais fundos europeus e nacionais. O actual governo resolveu alterar as regras. Bem ou mal, Alberto João Jardim deixará de contar com os dinheiros que previa e, inevitavelmente, com a capacidade financeira para executar algumas das suas propostas eleitorais. Jogo baixo, talvez, este de alterar as regras do jogo não participando nele. Mas, sobre Sócrates, um blogue inteiro não chegava para a análise de incoerências.

Alberto João Jardim fez bem, a meu ver, em abdicar do seu mandato. Candidatou-se, há dois anos e meio, com um programa eleitoral, para quatro anos, que previa determinados fundos. O governo central, egocentricamente, cortou-lhos. Urge fazer um novo programa, menos audaz. Urge fazer um novo programa adequado às novas imposições do continente.

Mais modesto, o novo programa eleitoral, a ser votado daqui a dois ou três meses, será bem mais real. E adaptado à realidade vigente.

A posteriori - Os Açores, que Sócrates queria salvaguardados por governados por socialistas, sofrem, a prazo, com a lei aprovada. Alberto João Jardim, por sapiente e experiente, dá a bofetada de luva branca a Sócrates.

A má gestão política acaba, inevitavelmente, nisto. Ganham-se referendos (não políticos e mal politizados), e perdem-se votantes (onde as aspirações socialistas começavam a crescer)...

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ADENDA - Publicado, originalmente, aqui.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Descrença na cidadania e na responsabilidade cívica


Num referendo acerca de uma matéria tão sensível e de índole tão pessoal, a minha descrença na validade de uma consulta popular neste país aumentou .
Com cerca de 900 freguesias por apurar, neste momento, a abstenção ronda os 58%. Abaixo de referendos anteriores, é certo, mas impensável num país que se quer mais empenhado, mormente em actos de responsabilidade cívica. Além disso, depois de uma campanha, de parte a parte, mais interessada, mais participada e participativa, mais efectiva.
À semelhança do referendo de 1998, não sendo um resultado vinculativo deverá ser, agora, devidamente legislado, com todos os prós e contras que da lei a criar possam advir.
Em primeira análise, e ainda a quente, vergonha por ser concidadão de uma maioria que se abstém de exercer um direito adquirido à custa do sacrifício de muitos.

Uma análise mais aprofundada dos resultados e das suas consequências num outro post, ainda a elaborar.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Sobre o início da vida.

Eu andava a pensar isto e não sabia como o explicar.
Andava a passear por aqui, porque não é conveniente a cegueira em questões tão sensíveis como esta, é preciso querer ver tudo, e encontrei um excelente texto da autoria de J. L. Pio Abreu (Psiquiatra e Professor na Universidade de Coimbra).
Não tenho muito mais a acrescentar (ou então acrescentaria uma lista sem fundo de ideias) a esta questão do referendo sobre o aborto. Escolho o amor.




"Nas discussões sobre o próximo referendo, raras vezes tenho ouvido a decisiva palavra: amor. Tenho ouvido, sim, sobretudo pela parte dos adeptos do não, um fundamentalismo irracional cheio de zanga e intolerância, um desprezo punitivo pelos momentos mais dramáticos das mulheres concretas, reais e normais. Enquanto olham para os adeptos do sim (felizmente a maioria) como criminosos, os fundamentalistas do não compensam o seu desamor pelas pessoas existentes com a proclamação do amor por princípios, dogmas, seres em potência, não existentes como realidade concreta nem como objectos passíveis do amor das pessoas.

O que mais se vê aqui é desamor. Significativamente, em nome de uma “verdade científica” proclamada por quem nada sabe de ciência e que não sabe sequer que a ciência é avessa aos dogmas, procura a dúvida e tem de ser tolerante. Os adeptos da nova moral biológica esqueceram-se da espiritualidade, caindo paradoxalmente num materialismo simplório: uma célula ou um conjunto delas chega para definir uma pessoa. Não se questionam mais. Nem se questionam sequer sobre o destino que deram aos biliões de espermatozóides ou às dezenas de óvulos que geraram dentro de si.

Aceito que muitos adeptos do não terão passado por experiências decisivas que marcaram as suas opções. Não duvido do seu amor aos filhos que tiveram, eventualmente em circunstâncias difíceis, ou que desejaram ter. Esses filhos, mesmo em potência, têm toda a dignidade humana porque foram desejados. Não é porém o caso de quem se vê obrigado a fazer contracepção ou a interromper uma possível gravidez.

Como psiquiatra, sei que os abortos, espontâneos ou provocados, fazem parte da vida de quase todas as mulheres. Alguns podem passar sem sofrimento, excluindo o trauma e a perda de liberdade que resulta do aborto clandestino, ou o drama de transportar o segredo no seio de famílias conservadoras e fundamentalistas. Excluindo também a culpabilidade gerada nas campanhas para os referendos. Toda a questão é saber se a criança era desejada ou não, e qual o empenho amoroso dos pais que, por vezes, já tinham um nome para ela. Neste caso, tratava-se de um ser humano, fosse qual fosse o tempo de gestação.

Nem sempre é assim, e muitas gravidezes iniciais nem sequer são percebidas, se não negadas. Existem mesmo gestações destinadas à adopção (embora uma mulher que prossiga uma gravidez a termo possa criar, por vezes desesperadamente, laços com a criança que vai nascer). Mas se não for a mãe biológica, alguém que encontre a criança irá ter compaixão e amor por ela, e será esse o seu verdadeiro nascimento como pessoa. Sem isso, nem sequer sobreviveria.

O que dá o estatuto humano ao novo ser, seja ele um recém-nascido, feto ou ser em potência, é o primeiro acto de amor para com ele. Curiosamente, é essa a grande verdade que o ritual religioso do baptismo nos ensina."


Ilustração: Edward Hopper, Morning Sun

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Mangueiradas



Ele há coisas que me irritam sobremaneira (a utilização da expressão ele há, por exemplo, é uma delas).
Num dos lugares de topo estão, claro, tudo o que são sindicatos, ligas e afins, pelo seu pretenciosismo, pela sua prepotência e pela sua aparente posição de quem paira por sobre a lei, disparando petardos verbais para tudo quanto é lado.

Duarte Caldeira é presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, ninguém sabe bem há quantos anos (sendo que este quantos é muitos), coadjuvado, na presidência da mesa de congressos, pelo omnipresente Padre Vítor Melícias.
Segundo Duarte Caldeira, ao longo dos anos, os bombeiros têm sempre razão, mesmo não a tendo. E, mais uma vez, no Domingo, dia 28 de Janeiro, os bombeiros voltaram a ter razão, no polémico incêndio de Cascais.
Segundo a Agência Lusa, Duarte Caldeira afirmou que "quando os bombeiros chegaram ao local do incêndio, que matou duas mulheres, posicionaram a viatura junto a uma boca de incêndio, cujo castelo, peça que serve para fazer ligação às mangueiras, se partiu". Em primeiro lugar, refira-se que o "quando", que Duarte Caldeira prefere não quantificar, se refere a cerca de meia hora depois de os bombeiros terem sido alertados para a ocorrência (sempre quis usar a palavra ocorrência).
Mas a parte bonita vem a seguir. Duarte Caldeira, visivelmente preocupado com a reputação dos seus bombeiros depois de ter visto as diversas reportagens televisivas sobre o tema, pensou: ora deixa lá livrá-los de mais uma. Quem vou eu culpar hoje? Vai daí, segue o primeiro projéctil para António Capucho, Presidente da Câmara de Cascais. A boca de incêndio não tinha água e a culpa é da câmara. Estão os bombeiros salvos, pensou, e já ninguém se lembra que chegaram atrasados. Azar dos diabos, porque, como se sabe, diabos e chamas estão intimamente relacionados, António Capucho contrariou Duarte Caldeira - que não era verdade, que, de facto, havia água na boca-de-incêndio. Eh lá, pensou, novamente, Duarte Caldeira, que este tipo é tramado e não se deixa levar assim às boas. Já lhe conto uma. Vai daí, segundo projéctil - de facto, a boca de incêndio tinha água, facto que não se pôde verificar porque a Câmara Municipal de Cascais, aos instalá-la, tinha colocado saídas que não se ajustavam às mangueiras habitualmente usadas pelos bombeiros. Além disso, exigia (que esta malta de sindicatos, ligas e afins não pede, nem sugere, mas exige) imediata intervenção de quem de direito porque não se compreendia que num país como o nosso situações destas ocorressem. E desta não te safas, pensou. Mas, como já vimos nesta historinha, António Capucho é levado da breca e lá veio contrariar, novamente, Duarte Caldeira - que não era verdade, que, de facto, as saídas da boca de incêndio estavam em conformidade com as mangueiras habitualmente usadas pelos bombeiros. Eh lá, pensou, ainda mais uma vez, Duarte Caldeira, que este tipo está mesmo aqui para me pisar os calos. Agora é que ele vai ver como se espingarda em várias direcções. Vai daí, ataques múltiplos, para impedir qualquer tipo de reacção - de facto, as saídas de água ajustavam-se às mangueiras, não se tivesse partido o já referido castelo. E porque é que o castelo partiu? Por falta de manutenção por parte da câmara (falta de manutenção num bairro novo?!?!?). Mas foi mais longe. Quando um jornalista lhe perguntou se a incompatibilidade de equipamentos a que antes se referira era verdade, sai a brilhante resposta: "além das bocas de incêndio existem, também, marcos de água, estes com mais saídas e chaves de manobra próprias, que por vezes não são atempadamente distribuídas aos bombeiros". Por vezes. Não necessariamente aqui. Não necessariamente neste caso. Por vezes. Brilhante, pensou, uma última vez, Duarte Caldeira, esta vai deixá-los entretidos por uns dias.
E deixou.
António Capucho vai mandar fazer cópias das ditas chaves (se existirem, no concelho dele, esses marcos e essas chaves) e mandá-las distribuir pelas corporações de bombeiros, não vá o diabo (novamente o diabo) tecê-las.
A comunicação social já anda entretida a fazer reportagens sobre as condições das diversas bocas de incêndio espalhadas pelas cidades deste país.
Das duas senhoras que morreram no incêndio ninguém mais ouvirá falar porque, como se viu, passaram a meras figurantes de uma história de contornos sombrios.
E o Super Duarte Caldeira voltou ao seu esconderijo, sempre alerta, prestes a vir socorrer os indefesos bombeiros se nova calamidade se abater sobre tão mal tratada franja da população.

Ilustração: Tom Scott, Evening Post, 21 October 1992.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

A quê deologia?



Juro que não é invenção minha. Estava no Jornal e tudo. Juro.
Costumo dizer por brincadeira que hoje em dia já tudo se compra, que só falta pagarmos tarifas por cada fatia de oxigénio que comemos. Mas , oh desgraça, era mesmo por brincadeira. Nunca pensei ter tanta razão.
Então não é que agora também se compram pessoas para participarem em manifestações, sejam elas quais forem, desde que se pague bem. Ao nível que o sonambulismo das causas e ideologias chegou. A notícia vinha na última página do ainda-Público de dia 24 de Janeiro e reporta uma originalidade de um site de aluguer alemão, o Erento. Entre outras surpresas, pode ler-se isto:

«Tem uma causa justa para protestar, mas não tem quem o acompanhe? Não há problema: o site alemão Erento tem para alugar mais de 300 manifestantes. Pode ser à hora ou ao dia»

«Tem para oferecer voluntários de todas as idades e vindos de toda a Alemanha, para participar em concentrações sociais ou políticas, ou em acções comerciais, como figurantes pagos para fazerem claque durante operações de promoção»

«Os manifestantes são alugados a preços variáveis, entre os dez e os 30 euros por hora ou 145 euros por dia. Há um Curriculum Vitae de cada um, com as suas características e uma fotografia: lá está o peso, a altura, as línguas que falam ou escrevem»

Ora, para parar com as citações secas, diz-se no artigo que tudo começou numa iniciativa da Federação Nacional dos Médicos, em Dezembro de 2006, que pagou a 170 desempregados ou estudantes para se juntarem a uma concentração em frente do parlamento de Berlim. O porta-voz do evento não via, na altura, o mais pequeno problema em investir cinco mil euros para inventar manifestantes. Argumento: «Não era uma manifestação, mas uma operação de relações públicas». Tão cedo não esquecerei a frase: «Não era uma manifestação, mas uma operação de relações públicas». Muito bem.
A verdade é que a ideia pegou. E temos hoje um site com mais de 300 candidatos prontos para irem para a rua, apoiar tudo o que tem bandeiras e mexe. Ainda nenhuma candidato havia sido alugado até à data do texto, é certo, mas talvez seja apenas uma questão de tempo. Curioso talvez possa ser saber o que pensam os próprios falsos sobre a actividade de venda de alma a que se submetem:

Um: «Para mim é um trabalho como outro qualquer, mas compreendo os que estão reticentes, porque é preciso mostrar a cara e há o risco de ser filmado [por câmaras de televisão]»
(comentário: Admirável! Afinal ainda há um pouco de consciência social: é preciso mostrar a cara, o que é um risco. Isto era bom se pudessemos vir mascarados, aí sim.)

Dois: «O dinheiro é bem-vindo, desde que aqueles que me pagam correspondam à minha ética»
(comentário: se a tua ética é receber, sossega. Correspondem de certeza)

Disse que tão cedo não esqueceria que
«não era uma manifestação, mas uma operação de relações públicas», não era, como a vida, como uma sessão parlamentar 'não é uma sessão parlamentar, mas uma operação de relações públicas', como a vida, como a amizade 'não é... mas uma operação de relações públicas', e a vida, a vida, a vida.
Isto que diferencia o humano de um rinoceronte, esta coisa dos valores e das ideologias, não devia ser só para televisão ver. Porque a televisão não vale de nada, enquanto insistirmos em arrancar o coração dos homens e substitui-lo por imagens. Porque as imagens não valem de nada quando 'não são imagens, mas operações de relações públicas'.


Ilustração: Empty Head, por Mark A. Hicks

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

O Centenário




Nazaré, 22 de Maio de 1949.


Na praia, cheia de nevoeiro e de mar. Ao largo, sete traineiras e dois batelões. Os barcos, parados, esperam por uma aberta das ondas. As traineiras cirandam como cadelas antes de caírem no ninho. Por fim começa o encalhe. É a mesma manobra de sempre, o mesmo segundo de sorte, e o mesmo gesto do arrais, na popa do barco, a acalmar a mulherio que grita. Mas as orações de Gertrudes Morraça é que têm cada dia maior sentido. Com os pés inchados e descalços na areia molhada, vai conjurando o mal para cada embarcação. As companheiras, atrás, olham-na com respeito. E ela alarga os braços, e como se remasse com as mãos, olhos fitos no barco que avança, vai-o encomendando

Ao santíssimo Sacramento,
E à flor donde nasceu,

E à hóstia consagrada
E à cruz onde morreu.


A artilharia toda. E um a um vai-os safando. Ao cabo de cada triunfo, ela própria esclarece o auditório:
- Ai que milagre, alminhas do Senhor! Ai que milagre, virgenzinha!
Não tem marido, nem filhos. Morreram todos. Por isso move-a apenas a convicção do seu poder, a fé no seu destino mágico. À semelhança dos primeiros sacerdotes, que tiveram a coragem de dizer aos restantes homens da tribo que acabavam de falar com Deus, e se transformavam ipso facto em chefes ungidos, eleitos pelo sobrenatural, também a Gertrudes tem a audácia de se pôr à frente das outras e tomar sobre os ombros a responsabilidade de falar em nome do céu.
Chego-me perto dela e digo-lhe baixinho:
- Vocemecê dá cabo do coração...
E ela:
- Se eu não rezasse por todos, que havia de ser destes desgraçados?

Ao Santíssimo Sacramento

E à flor que nasceu...


Agora é a vez da traineira Sol Divino. Uma onda dá-lhe de través, e é por um triz que se não afunda. Ergue-se um clamor de desespero em todo o areal. Rostos curtidos de sol e de salmoira, que até ali pareciam de atanado, animam-se num expressivo e virginal sofrimento.
Mas a pitonisa vela:

E à história consagrada

E à cruz onde morreu...

Mais humana e mais prática, a mulher dum que vem dentro da casca de noz que se debate nas ondas, solitária e desesperada, adianta-se então, ultrapassa a inspirada, e clama:

Rema, pescador,
Que lá vem Jesus
De braços abertos
Pregados na cruz!

E ficam no ar, a toldar a manhã, as duas imagens contraditórias: aquele Cristo imobilizado no madeiro, e aquele pescador a remar, a remar...


Miguel Torga, Diário V (4ª edição), Coimbra (1973).
Ilustração: "Pescadores de Blanes; Jose Luis Cuevas


segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Pena Capital

A recente aplicação da Pena de Morte a Saddam Hussein, mais do que aos outros co-réus, pela brutalidade das imagens que chegaram a público, voltou a relançar a polémica acerca desta sentença.
Não sou a favor da Pena de Morte, mais por achar que quem faz sofrer deve, também, sofrer (portanto, com vida), menos, mas também, por entender que, de facto, nenhum ser humano pode ter o controle sobre a morte de um outro ser humano.

Mapa de países com pena de morte
(Fonte: Wikipédia)

Aquilo que mais questiono, no entanto, é o facto de o coro de vozes que agora se levanta em defesa de Saddam Hussein, assistir, silenciosamente, ao longo dos anos, à aplicação desta mesma sentença em vários países (muitos tidos como democráticos) a pessoas com muito menos crimes no cadastro. Mais ainda, o facto de alguns países muçulmanos se terem mostrado ofendidos quando esta punição é legal em todos eles. Ou o facto de a própria Europa, agora em protesto colectivo, pela voz de Durão Barroso, manter um acomodado silêncio em relação a muitos aliados e parceiros comerciais que são a favor (e praticam) da Pena Capital.
Aquilo que estes protestos acabam por dar a entender é que um ditador sanguinário não pode ser executado, ao contrário de um qualquer cidadão homicida, por exemplo, na maioria do território mundial. E, depois, com toda a desfaçatez, fala-se de bom senso.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Os Movimentos do Sim vs Os Movimentos do Não

Segundo a Comissão Nacional de Eleições, são estes os Partidos/Coligações que entregaram declaração e Grupos de Cidadãos Eleitores que entregaram o pedido de inscrição com vista a participar no esclarecimento da questão submetida a Referendo, até ao momento, sendo que o prazo termina hoje:

- Partido Humanista
- Bloco de Esquerda
- Partido Socialista
- Partido Comunista Português
- Partido Social Democrata
- CDS-Partido Popular
- Partido Nacional Renovador
- Partido Popular Monárquico
- Partido Ecologista "Os Verdes"

1 - Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim
2 - Em Movimento Pelo Sim, Interrupção voluntária da gravidez - A Mulher decide, a Sociedade respeita, o Estado garante
3 - Plataforma "Não Obrigada"
4 - Médicos Pela Escolha
5 - Norte pela Vida
6 - Minho com Vida
7 - Movimento Voto Sim
8 - Vida, Sempre
9 - Escolhe a Vida
10 - Nordeste pela Vida
11 - Mais Aborto Não
12 - Liberalização do Aborto Não
13 - Algarve pela vida
14 - Juntos pela Vida
15 - Sim - Pela Liberdade
16 - Diz que Não
17 - Aborto a pedido? Não!
18 - Guard'a vida
19 - Alentejo Pelo Não

Sendo que os partidos não se deverão intrometer no debate, uma vez que, mais que uma questão partidária, se trata de uma questão de consciência, nota-se, claramente, que existem mais movimentos em prol do Não do que do Sim. Ora, tratando-se de um tema que exige um claro esclarecimento, nas mais variadas vertentes que lhe estão subjacentes, não deveriam os defensores do Sim tentar ter uma voz mais activa nos debates e nos tempos de antena que se avizinham? E, se não participam mais activamente, estarão desde já convencidos da vitória ou da derrota?
A seguir atentamente, até dia 11 de Fevereiro.

Regresso

De cara lavada, o Verbeteiro regressa, a partir de hoje, à vida, agora com assiduidade acrescida.
Até já!

terça-feira, 2 de maio de 2006

Revolta recuperada




Não é um discurso de vitimização pessoal, mas apetecia.

São tremendamente infinitos os mistérios da incompetência. Se é, como se diz de boca cheia e bolsos cheios de culpa, um problema exclusivo do nosso país não sei, mas assino em letras bem legíveis o formulário que diz que o há em abundância por este país. E custa ver, custam as mãos cheias de cinco minutos que se perde por cada incompetência. Ou será antes por pouca motivação para fazer bem? Ou mesmo preguiça? Mente fraca?
Concretizando: a felicidade está totalmente vedada à marioneta que se arrasta de balcão em balcão com um problema nas mãos que ninguém resolve. A falta de coordenação dos serviços nacionais é tão catastrófica que até dá vontade de fugir. Pior: dá sincera vontade de ler obras de gurus da Gestão.

Um homem que passe, no mesmo mês, pelas mãos dos senhores das operadoras de tv por cabo, pela fila dos serviços postais, por todos os balcões do mesmo banco até chegar ao correcto, ou pela burocracia das empresas de água semi-privadas, não pode, de forma alguma, ser feliz.
E, como me deixoir abaixo com essas coisas, ora estou triste porque esse homem sou eu, ora estou triste porque esses outros homens mereciam-no tanto como eu.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Directo (II)

Como não partilhar essa repulsa? É absolutamente inadmissível que façamos da dor de uns um espectáculo televisivo de pseudo-sofrimento generalizado. E as audiências sobem... Sem pudor!

terça-feira, 18 de abril de 2006

Directo

A vida é simples, a morte também, vamos filmar tudo. E pronto, não há filosofia que resista. Argumentos para quê? Premissas, conclusões, ensaios? Nada. Filma-se tudo, sem pensar, e está a andar na mota da audiência. Já não há mesmo paciência. Nem palavras.
Desde a vergonhosa (VER-GO-NHO-SA!!) cobertura, em directo, do funeral do futebolista Miklos Féher que não se via nada tão absurdo. Não há respeito por ninguém, porque a máquina é rápida, não há tempo para pensar, é tudo simples, a bateria ainda acaba, a vida é simples, a morte ainda é mais. Vamos filmar tudo. Em directo.

terça-feira, 14 de março de 2006

Altruísmo, a manifestação moralmente correcta do egocentrismo…

[Ora, com a promessa de ressuscitar a vida e a crítica que este espaço merece, aqui fica um grande texto de uma amiga minha, Leila Marques, que aborda (com uma intensidade impressionante) o tema do altruísmo e as suas contradições. Não poderia regressar de melhor forma. Ei-lo:]

"Solidariedade. Complexo soletrado em vocábulos de quem pouco entende o mundo e se refugia na luz dos candeeiros longínquos do pensamento. Hesitação. Caligrafia dos vendados, amordaçados na escuridão da inércia e da pseudo e conveniente impotência moral sobre a miséria. Ficar imóvel e lamentar o declínio do mundo faz de cada um de nós um delinquente. Porque não lutamos e é a nossa introspecção que nos faz sentir bem connosco próprios. O altruísmo que nos cega é o amor necessário ao nosso eu.
É isto que faz do mundo uma iniquidade evidente entre dois pontos cardeais quase sobrepostos. O mundo, essa infinidade do espaço e contraste da espécie de origem comum com gene recessivo da injustiça social… manifestado em cada um de nós. A Terra. Objecto barato exposto na montra dos ociosos. Que não dão a mão. Que só oferecem um sorriso por trás de um vidro infinito. Vidro fosco que não deixa transparecer os alfinetes que o seguram. Ensaiado, forçado é o amor que temos para dar e o vazio e o quimérico é o que realmente recebemos. Entre nós iguais, que deixamos a bola girar sobre o nosso nariz e o sol à nossa volta.
Antropocentrismo. No amor. A cada instante.
É por isso que quase não vale a pena voar mil quilómetros para darmos um pouco de nós a quem nunca nos viu, quando não nos damos a quem nos rodeia perpetuamente.

É por isso que enquanto humanos desamparados pelo nosso próprio exemplo, por vezes caímos no chão entre o lixo e os ratos, frívolos e inconscientes como bonecos de palha. Voltamos à terra e aos parasitas desta bola que nos gira sob os pés. Bola de esponja que vai absorvendo o nosso tempo e sangue e vai desnudando a nossa essência de seres-apenas-seres.
Fazemos equilíbrio é o que fazemos! Ao suportar tanta instabilidade quando a bola pequena gira. Gira constantemente. E por vezes deixamo-nos cair no chão entre o lixo e os ratos… como bonecos de palha."

(Leila Marques)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

quarta-feira, 12 de outubro de 2005

As eleições autárquicas (breve revisão)



São diversas, as conclusões a retirar das eleições autárquicas, no passado Domingo. E podem ser analisadas sobre diversas perspectivas.

O PAÍS Escreve José Manuel Fernandes, no seu editorial do Público de ontem, dia 10, que "o Governo viu como o país já não está rendido ao PS." Parece-me, acima de tudo, uma análise muito redutora. Primeiro, porque o país nunca esteve rendido ao PS. Ao dar a maioria absoluta a José Sócrates, os portugueses quiseram, essencialmente, castigar Santana Lopes, e não premiar o actual primeiro-ministro. Segundo porque só quem não conhece as realidades dos meios mais pequenos é que pode afirmar semelhante coisa. É difícil, em Lisboa ou no Porto, avaliar toda a obra de um autarca (pela positiva ou pela negativa). Nos meios pequenos, no entanto, as pessoas não olham tanto a cores partidárias, preferindo optar pela análise ao trabalho efectuado ou ao potencial que determinado candidato tem para poder executar. E assim se percebem algumas viragens camarárias, mormente com vantagem para o PSD e para a CDU.

LISBOA Em Lisboa venceu, claramente, a imagem séria e descomprometida de Carmona Rodrigues em desfavor da arrogância de Manuel Maria Carrilho. Ficou, assim, provado que o estilo de pseudo sobranceria intelectual não rende em eleições. Aliás, só quem se tivesse esquecido da péssima prestação do ex-ministro no Ministério da Cultura é que lhe daria nova oportunidade para asnear. Mesmo após a derrota, Carrilho manteve a sua postura arrogante. No seu discurso, lembrou que foi Sócrates quem o convidou, que Jorge Coelho foi participante activo na campanha, que o PS de Lisboa ajudou a estruturar a campanha. Lembrou que foi alvo de calúnias e difamações. Enfim, caiu, mas não quis cair sozinho.

PORTO Afinal, sempre vale a pena passar a imagem de político sério e competente, nada dado a demagogias populistas. Afinal, sempre é positivo distrinçar a política do futebol. Afinal, nem campanhas sub-reptícias (às vezes mais, outras menos) de Pintos da Costa servem para derrubar uma obra que está à vista, pesem embora todas as dificuldades orçamentais com que se deparou Rui Rio, depois de descoberto o passivo deixado pelo consulado socialista na autarquia. Apesar de ter um adversário cuja capacidade e competência são sobejamente conhecidas, Rui Rio passou o teste e saiu, inclusive, reforçado. Fica Rui Sá a perder, que deixará de ser necessário para a gestão camarária.

SINTRA Nem com o desesperado apelo ao voto no filho, Mário Soares conseguiu que este saísse vencedor. Aliás, João Soares continua a acumular derrotas, algo em que parece ser perito. Neste concelho, no entanto, ressalva-se a qualidade da campanha dos candidatos, que primaram pela boa educação e postura, ao contrário de outros concelhos. Fernando Seara sai, merecidamente, vencedor. De salientar, no entanto, o discurso de derrota de João Soares. Ele e Assis, no Porto, foram os únicos a assumir todas as culpas pelo resultado eleitoral e a disponibilizarem-se para serem vereadores, comprometendo-se a uma oposição séria e descomprometida.

FARO Alguns consideraram o regresso do PS à Câmara de Faro como a surpresa da noite. No entanto, sendo o candidato socialista José Apolinário, Marques Mendes devia ter apostado num nome mais forte que o de José Vitorino. Ainda assim, o PSD manteve a maioria das câmaras algarvias e, portanto, a direcção da Associação de Municípios do Algarve.

BRAGA Apesar da esperada vitória de Ricardo Rio, líder da coligação, Mesquita Machado mantém-se à frente dos destinos da autarquia, ainda com maioria absoluta, embora reduzida em relação ao anterior mandato. Embora se fale de interesses instalados na cidade há inúmeros anos, a verdade é que Mesquita é o edil desde o 25 de Abril e, portanto, um dos responsáveis, lado a lado com a implementação e desenvolvimento da Universidade do Minho, pelo exponencial crescimento da cidade (que é, já, a terceira do país). Começa a perceber-se, já, algum desgaste (a vitória do PSD, daqui a quatro anos, se o candidato for, novamente, Ricardo Rio, é quase certa), mas este resultado, de entre muitos outros, foi o que menos me surpreendeu.

EM PORTUGAL, A CORRUPÇÃO VALE A PENA Dos 4 concelhos cujos principais candidatos eram arguidos em processos (por diferentes razões), apenas Amarante soube votar em consciência, ao não permitir a Avelino Ferreira Torres que viesse a fazer na Câmara amarantina aquilo que fez no Marco de Canaveses. No seu estilo boçal habitual, Avelino disparou em todas as direcções, tendo como principal alvo a comunicação social. Mas Isaltino Morais, Fátima Felgueiras e Valentim Loureiro sairam vitoriosos em Oeiras, Felgueiras e Gondomar, respectivamente. Ainda não percebi se a população gosta de ser do contra, se é masoquista ou se, como já ouvi muitas vezes, acredita na velha máxima de "nem que roube, desde que roube para todos os de cá...". Qualquer das três hipóteses é absurda e julgo que os próximos quatro anos vão provar isso mesmo. À excepção de Oeiras, onde a votação foi muito mais renhida, saem claramente denegridos os aparelhos partidários que não souberam, na devida altura, criar e publicitar verdadeiras alternativas.

Mais se podia dizer, sobre outras autarquias, como a reviravolta em Aveiro, a limpeza geral na Madeira, etc., pecando por ser moroso. Ressalvem-se, portanto as subidas do PSD e da CDU e as quedas do PS e do CDS. Fica por fazer a análise ao Bloco de Esquerda, que aparece com um discurso de vitória quando, na verdade, não conseguiu os vereadores que se tinha comprometido conseguir. A hora, agora, a nível partidário, é a de começar a pensar nas presidenciais.



Retirado daqui (Ministério da Justiça)

quinta-feira, 7 de julho de 2005

segunda-feira, 20 de junho de 2005

Martim Moniz pela liberdade



1. A Frente Nacional é um movimento de cidadãos não racista, cujos pilares da sua existência se apoiam “no orgulho por serem da raça branca” e na urgência de expulsar do país todas as restantes etnias. A Frente Nacional, constituída por cidadãos que já são portuguses-brancos “há mais de oitocentos anos”, anuncia (após um profundo trabalho de investigação científica) que os “únicos responsáveis pelo crescimento dos índices de criminalidade são os “pretos, os ciganos e os marroquinos” (curiosa a súbita ascensão de uma nacionalidade a raça). A Frente Nacional, não sendo racista nem xenófoba, manifesta-se hoje, dia 18 de Junho, nas ruas de Lisboa, “pela liberdade, contra os imigrantes e contra a criminalidade”, a qual, como afirmam, apenas visa prejudicar os brancos e da qual só estes são vitimados.
A Frente Nacional diz que isso se vê facilmente nas prisões portuguesas: estão povoadas de negros, ciganos, cartigineses… E brancos? Quase nem vê-los…
À festa junta-se o PNR (Partido Nacional Renovador) que pronto, nem comento.

2. Tenho mesmo que relembrar a esses senhores a cor das pessoas que integram os imigrantes num vergonhoso sistema de exploração de mão-de-obra? Tratá-los como bichos, não é crime? Tenho mesmo que referir a cor das redes organizadas de tráfico de droga, dos seus barões, que não tão poucas vezes se aproveitam desses impuros, desses não-portugueses de outras cores (obrigados a viver em condições miseráveis e, por força do contexto em que vivem, mais vulneráveis ao negócio) para encherem as gavetas de ouro e buzinarem nos seus popós novos? Não é crime? A cor já não conta?

3. E que Portugal é esse que querem resgatar com esse orgulho com mais de oitocentos anos? O medieval? O das repressivas conquistas coloniais? O de Salazar (sim eu sei que é este…)?
O Portugal profundo, apaixonado e livre não é de certeza. O Portugal de Carlos Paredes, de Sérgio Godinho, de Eugénio de Andrade, de Sophia, de José Afonso, de Amália Rodrigues… o Portugal de todos os que realmente deram alma ao “nosso sentir” não é de certeza. E, assim sendo, o que querem recuperar só pode ser o Portugal-nenhum.

4. A ousadia de denominar esta iniciativa, entre outras coisas que se ajustam melhor ao doentio perfil da Frente, como manifestação “pela liberdade” deixa-me absolutamente incrédulo. Há alturas em que tenho vergonha de ser humana. A nossa raça, a humana (única raça que realmente temos – depois há a raça leão, a raça elefante, a raça borboleta), precisa de quantos séculos mais para se autodestruir?Ou quantos milénios precisa mais para aprender a importância de se pôr em prática valores como liberdade e tolerância?

Sábado, 18 de Junho de 2005 - a quente.

sábado, 21 de maio de 2005

A Igreja e o Mundo



A Igreja Católica é, como todos sabem, uma Instituição. Assenta na Fé dos homens que dela fazem parte (ou, numa perspectiva mais ecuménica, na Fé dos homens que a constituem).
Como instituição que é, tem as suas próprias regras, os seus próprios preceitos (e não preconceitos, como o Sílvio gostaria de lhes chamar). Ninguém é forçado, na actualidade, a fazer parte da Igreja, nem a partilhar os seus ideais. E aqui reside o busílis da questão: até que ponto pessoas que não fazem parte da instituição Igreja Católica se podem imiscuir no seu cerne e na sua conduta?
Não me apetecendo redigir, mais uma vez (de entre muitas), um longo texto sobre o tema, limito-me, a partir daqui, a transcrever aquilo que publiquei no Respublica, ainda ontem:

"FÉ (II) O post anterior, do Filipe, surge na altura exacta, quando todos tentam teorizar acerca da Igreja "Instituição" (mormente os que dela não fazem parte) e ninguém se lembra que a Igreja é, precisamente, isso: Fé. E haverá maior pureza do que essa Fé inquestionável que as "velhinhas beatas" ostentam? Não estão a agredir ninguém, não estão a pedir a ninguém que as acompanhe - estão, tão somente, a agir de acordo com aquilo que são os seus ideais (goste-se, ou não). É interessante, aliás, reflectir sobre este ponto: quando colocamos em causa os ideais de um partido, de uma organização não-governamental (vulgo ONG), de um clube de futebol (também os terá?), enfim, de uma outra qualquer instituição, a resposta, não argumentativa e anti-argumentatória é, invariavelmente, a de que, estando de fora, não nos devemos imiscuir em processos e ideologias internas. Porque insistem, então, os detentores de fés (por vezes bem absurdas) mais mundanas, em criticar, insistentemente, a Igreja Católica? Julgo dever deixar-se a discussão sobre a (não) evolução da Igreja para o foro interno da Instituição, para aqueles que dela fazem parte. Custa-me, aliás, que os arautos da Verdade critiquem, de forma insistente, uma Fé que, pelo menos, se mais não quiserem reconhecer, tem o seu valor histórico, e caiam no erro de defender fundamentalismos, como o islâmico, por exemplo - esse sim, desprovido de toda e qualquer hipótese de diálogo ou discussão, interna ou externa, acerca da sua descontextualização na sociedade global em que vivemos.
Deixem, pois, que a nossa Igreja Católica prossiga o seu caminho, que s discutamos, entre nós, sobre a sua necessária adaptação à evolução da sociedade. Deixem que as "velhinhas beatas" se martirizem, se assim o entenderem (e relembre-se, aqui, que a Igreja não tem orientações ideológicas nesse sentido), já que não passa de auto-flagelação (estará para vir o dia em que uma qualquer septuagenária, a caminho de Fátima, faça rebentar os explosivos que traz amarrados à roupa interior por sobre um qualquer grupo de esquerdistas radicais). Assim sendo, o espaço à discussão está aberto... entre nós.

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PS - Para que dúvidas não restem, não existe qualquer cegueira seguidista (gostei deste encadeamento de sons) entre nós. Muito pelo contrário, o Filipe Alves e eu, católicos convictos e assumidos, protagonizamos, não poucas vezes, acesos debates sobre o tema. Em suma: nós podemos."

sábado, 30 de abril de 2005

Ex Ratzinger, Agora Bento - é tudo uma questão de lumes, perdão!, de nomes....



Palavras breves estas que cuspo. Palavras orfãs, palavras que só queriam dizer uma pequena coisinha, insignificante quando comparada com as Estóicas (históricas) Cruzadas de Salvação corajosamente concretizadas pelos Magos do Vaticano. Palavras assim, palavras perdidas.
bla bla bla bla
O Cardeal Ratzinger era uma coisa, o novo Papa Bento é outra. A metamorfose dos pássaros, a força do Divino Espírito Santo prega destas partidas às pessoas...
bla bla bla
Não casem os homossexuais, mesmo que isso vos custe o emprego. A tolerância em chamas, bom senso da escola católica. Ainda digo mais, atirem-lhe pedras, machados afiados, cortem-lhes o pénis em tribunais ecunémicos segundo o prisma ratzingeriano, perdão, bentano. Porque fora dos muros do rebanho do catolicismo não há mundo, não há moral, nem mesmo dentro da própria lei espanhola que, coitada!, anda a sofrer diarreias imperiais de um governo quase-comunista.
bla bla bla
Queria agradecer a todos os jornalistas aqui presentes pelo magnífico trabalho efectuado. A bondade, a humildade dos cadeirões de ouro, os teólogos também choram. É tão bonito de ver tanta cegueira, é tão negro e bonito. Queria agradecer-vos, mas eu que saiba que vocês usam preservativo com as vossas devotas eposas. Ai de vocês!!
bla bla
Não é Ratzinger, é o Novo Papa Bento.
Olé!

segunda-feira, 4 de abril de 2005

João Paulo II e a sucessão



Ainda consternada com a morte do Papa, a população mundial prepara-se, agora, cumpridos que estejam os dias de exéquias fúnebres, para assistir à sucessão do Sumo Pontífice.

Seja ele quem for, a pesada herança de um excelente Papa, como foi João Paulo II, com toda a importância que teve, em determinados momentos históricos, na estruturação da geopolítica mundial, vai dificultar, certamente, a sua afirmação inicial.

Não obstante, os fiéis, segundo vários depoimentos que os media trouxeram até nós, aguardam com serenidade o resultado do conclave e congratulam-se com o final do sofrimento terreno de João Paulo II. Aguardemos, pois, serenamente...

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PS - Na morte, como na vida, o Sumo Pontífice voltou a unir todas as nações, com várias manifestações de pesar de todos os quadrantes políticos e religiosos. Na morte, como na vida, João Paulo II voltou a dar provas de, além de herdeiro de Pedro, ser também um excelente estadista, consensual, admirado por todos...

O Público já nos habituou à sua incontestável qualidade. Tudo sobre o Papa neste dossier.

sábado, 2 de abril de 2005

Humor não é isto...

Já há muito que o Barnabé nos vem habituando à sua falta de qualidade. Esquece-se, por vezes (ou talvez não), que está a publicar os seus disparates. Este, e outros que se lhe seguiram sobre o mesmo tema, ultrapassam todos os limites da decência. Ao contrário do que possa considerar, não é este tipo de humor que faz um blogue mais de esquerda ou o destaca no ataque cerrado à direita. Até porque isto não é Esquerda, isto é estupidez...

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PS - Estarei enganado, ou estes posts já tocam o ridículo por os autores estarem desesperados, a querer produzir texto em quantidade (e não qualidade) suficiente para publicarem segundo livro?...

quinta-feira, 31 de março de 2005

Ele há coisas que nunca mudam...



"Custa-me dizê-lo, mas é verdade: há pessoas que estão no partido, não por serem social-democratas, mas só para conseguirem lugares, e alguns deles revelam uma incompetência confrangedora. E se não conseguem o lugar que ambicionam na câmara ou na junta de freguesia oferecem-se, com todo o à-vontade, a outro partido. Há por aí muito oportunismo.
Há também no PSD casos de bunkers, em que os líderes locais procuram perpetuar-se, fechando o partido à entrada de novos militantes ou tentando «cortar a cabeça» àqueles que lhes possam fazer sombra."

As palavras são de Aníbal Cavaco Silva e foram escritas para a sua intervenção de abertura do Conselho Nacional do PSD de 18 de Novembro de 1989, embora não tenham chegado a ser proferidas.

Quase quinze anos depois, o cenário continua a repetir-se, interminavelmente, sempre que se avizinham eleições. Pior, quando o futuro do partido continua na base da incerteza por ainda necessitar sujeitar-se a eleições internas.

Está na hora da limpeza geral...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

Peço milagres para dia 20: Caiam, anjos, caiam!

"O orador: - Dr. presidente! Que me não queiram persuadir que estou em casa de orates! Que é isto? Que bailar de ébrios é este em volta de Portugal moribundo? Como podem rir-se os enviados do povo, quando um enviado do povo exclama: Não tireis à Nação o que ela não vos pode dar, governos! Não espremais o úbere da vaca faminta, que ordenhareis sangue! Não queirais converter os clamores do povo em cantorias de teatro! Não vades pedir ao lavrador quebrado de trabalho os ratinhados cobres das suas economias para regalos da capital, enquanto ele se priva do apresigo de uma sardinha, porque não tem uma pojeia com que comprá-la."

Camilo Castelo Branco, A queda de uma anjo (1865)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

A quê cracia?



Assisti com bastante atenção ao primeiro (e único) frente a frente entre Sócrates e Santana. Vi todas as repetições, de todos os ângulos, nos vários canais. Li comentários, reacções, vi os meninos da JSD aos saltos com hinos de louvor ao seu consagrado líder, vi os senhores jornalistas a explicar quainhentas mil vezes aos senhores candidatos que não podiam interromper o adversário, vi os senhores candidatos e dizerem sim senhor já percebi e a cometer a mesma falta logo de seguida. Mas, acima de tudo, vi um grande vazio ideológico (de ideologia, de ideias, de idiotas). Vi um Portugal no presente e um Portugal do futuro próximo mergulhado nesse vazio. Um Portugal espremido até ao tutano por esta Ditadura Bi-partidária que o deixou magrinho. Um Portugal apenas com duas alternativas de poder que já provaram estar esgotadas e terem esgotado o sistemo democrático actual. Um PS e um PSD que pintam um Portugal cinzento. Um PS e um PSD fartos de governar. E um BE, uma CDU e um PP para cumprir calendário (porque não os deixamos ser mais nada) à espera do milagre das coligações. Vejo esta democracia a dizer "morri, mas não me deixam morrer". Vejo um voto em branco, apetece reler Saramago. Apetece-me gritar: "Leiam Saramago e os porquês da Lucidez!". Mas depois não grito, nem leio.
Mas... e a seguir à democracia vem o quê? Alerta vermelho de quem nada sabe: estamos a viver uma fase de transição extremamente perversa e imensuravelmente perigosa. Sublinhem os advérbios de modo para depois não dizerem que não avisei.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2005

Só...

Saiu sem dizer nada, de mansinho
A porta ficou entreaberta, como que na esperança secreta de que alguém a seguisse
Muda, como sempre
Do princípio ao fim do constante sofrimento, não disse nada
Muda, como sempre
Fica a coragem de quem sofreu sem querer fazer sofrer e a admiração de tantos que, não a conhecendo, a conheceram tão bem
A efemeridade é isto
E só...

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

Um dia um Trono será vosso: o do ridículo

A questão tornou-se outra. Curiosa a metamorfose das palavras. Ou melhor, a capacidade que as palavras têm de metamorfosear as coisas. A questão tornou-se outra: extrapolou-se. Falava-se de um facto, discutia-se, as palavras não enganavam: Foi, ou não foi, ou terá sido. Dizia-se que não e que sim e porque isto mas não podem esquecer aquilo, emendava-se, refutava-se, ouvia-se, crescia-se. Mas agora não. Agora remonta-se a 1725 para justificar a queda de um mosquito em plena Avenida. As palavras e as ambições: fundidas. Explosivas, certamente. Porque não? Não, porque as coisas não foram essas. E já ninguém sabe do que se fala. É muito fácil confundir as ideias, as palavras (com outras) quando a ambição sobra e reclama por mais. E talvez por isso já nada se perceba do que se evita dizer. Atira-se a palavra lá para o meio da batalha e defende-se do ricochete. Duas regressam, multiplicadas por mais. Outras, sem nada para dizer, que não ficam sem resposta. Em que ano? Ontem. Foda-se, em que ano?!? 2004. E ficam todos por ali, incendiando uma discussão porque ninguém os ensinou a conversar. Extrapolou-se: já não se diz nada. E eu apenas isto: Não contem comigo para incêndios de nada.

sábado, 20 de novembro de 2004

O Aviso!

A idade, infelizmente, não perdoa. Todos vamos envelhecendo, a pouco e pouco, e os meus amigos são, inevitavelmente, uma excelente expressão disto. Um dos tiques da idade é o iniciar da aquisição de toda uma série de expressões, gestos, frases feitas. Uma delas é o típico "Eu bem avisei". É rude, mesquinho, pretencioso e, em boa verdade, desmotivador de diálogos.

Apetece-me citar (e posso fazê-lo, uma vez que este espaço apenas possui dois proprietários ou, numa expressão menos capitalista, moderadores) a Lei de Imprensa, cuja última revisão data de 13 de Janeiro de 1999. Em boa verdade, só me interessam, para o caso, não desfazendo, as alíneas 2 e 3 do 1º artigo: "2 - A liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. 3 - O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura."

A Associação Académica da Universidade do Minho (de ora em diante, se necessário, o que não me parece, referida como AAUM) segue, num regime hierárquico perfeito, todas as directivas governamentais, mormente as que aos órgãos de comunicação social se dirigem. (O meu objectivo, não alcançado por má escolha das palavras, era que esta frase se revestisse de uma ironia sagaz.) A AAUM (afinal, usei a sigla!) era proprietária de uma publicação semanal que, habitualmente, trabalhava numa relação de tu pagas a impressão e eu não falo mal de ti (onde é que eu já ouvi isto?). De vez em quando, lá surgia um maluquito (apesar de não parecer, não se pretende que este vocábulo seja insultuoso, discriminatório, mas sim, à sua maneira, um tanto ou quanto carinhoso) ou outro que, almejando demonstrar coragem, se virava ao dono (sempre adorei esta expressão que, por acaso, não é minha). (Reparem, agora, no encadeamento de sucessivas e requintadas metáforas:) Ora o dono, sentindo-se ultrajado, pegava num jornal e, à boa moda portuguesa, ia espancando docemente (é possível?) até conseguir o amestramento do(s) infractor(es). Como este processo não funcionasse, pasmo total, a AAUM (terceira vez) decidiu, pura e simplesmente, dissolver a redacção do periódico e, também à boa moda portuguesa, assumiu aquele ar meio afectado que eu costumo intitular de nós por cá, tudo bem.

A idade, de facto, vai avançando e eu começo, já em novo, a ter alguns tiques desse amadurecimento. Também já adquiri toda uma série de expressões, gestos, frases feitas. E já que disso falamos, apetece-me dizer (e, mais uma vez, posso): Eu bem avisei!

PS - Perdoem-me o regionalismo do tema apresentado mas, de vez em quando, dá-me para a felonia...

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

Silêncio

Os meus silêncios mais valiosos ocorrem quando deixo falar quem sabe. Olhem só este Senhor:

"Quando bush fez o seu discurso visionário a anunciar que ia levar a democracia ao Médio Oriente, Yasser Arafat era já um líder democraticamente eleito, ao contrário do que sucede em quase todo o Médio Oriente. Foi imediatamente posto de lado. Decidiram que não o queriam, porque não fazia o que lhe diziam. É por isso que estavam encantados com Portugal e Espanha [digo eu: note-se: antes da Invasão ilegal de territórios iraquianos], mas não com a França e a Alemanha. No caso de Portugal, não conheço os números, mas sei que a maioria da população era contra a guerra. Em Espanha o Governo deu o seu apoio contra a esmagadora vontade da população. (...) Em França e na Alemanha agiram de acordo com a vontade das pessoas. Por isso, em relação a Arafat, se arranjarem alguém que permita a Israel ficar com a maioria dos territórios ocupados, muito bem. Será pura democracia."

Noam Chomsky, in Visão nº610



domingo, 31 de outubro de 2004

O Primeiro Post

verbeteiro, s. m. móvel onde se dispõem os verbetes; ficheiro.
verbetar, v. tr. registar em verbete; pôr em verbetes. (De verbete+ -ar).
verbete, s. m. papel avulso em que se regista um apontamento. (De verba+ -ete).

E assim, estupidamente, está publicado o primeiro post.