terça-feira, 14 de março de 2006

Altruísmo, a manifestação moralmente correcta do egocentrismo…

[Ora, com a promessa de ressuscitar a vida e a crítica que este espaço merece, aqui fica um grande texto de uma amiga minha, Leila Marques, que aborda (com uma intensidade impressionante) o tema do altruísmo e as suas contradições. Não poderia regressar de melhor forma. Ei-lo:]

"Solidariedade. Complexo soletrado em vocábulos de quem pouco entende o mundo e se refugia na luz dos candeeiros longínquos do pensamento. Hesitação. Caligrafia dos vendados, amordaçados na escuridão da inércia e da pseudo e conveniente impotência moral sobre a miséria. Ficar imóvel e lamentar o declínio do mundo faz de cada um de nós um delinquente. Porque não lutamos e é a nossa introspecção que nos faz sentir bem connosco próprios. O altruísmo que nos cega é o amor necessário ao nosso eu.
É isto que faz do mundo uma iniquidade evidente entre dois pontos cardeais quase sobrepostos. O mundo, essa infinidade do espaço e contraste da espécie de origem comum com gene recessivo da injustiça social… manifestado em cada um de nós. A Terra. Objecto barato exposto na montra dos ociosos. Que não dão a mão. Que só oferecem um sorriso por trás de um vidro infinito. Vidro fosco que não deixa transparecer os alfinetes que o seguram. Ensaiado, forçado é o amor que temos para dar e o vazio e o quimérico é o que realmente recebemos. Entre nós iguais, que deixamos a bola girar sobre o nosso nariz e o sol à nossa volta.
Antropocentrismo. No amor. A cada instante.
É por isso que quase não vale a pena voar mil quilómetros para darmos um pouco de nós a quem nunca nos viu, quando não nos damos a quem nos rodeia perpetuamente.

É por isso que enquanto humanos desamparados pelo nosso próprio exemplo, por vezes caímos no chão entre o lixo e os ratos, frívolos e inconscientes como bonecos de palha. Voltamos à terra e aos parasitas desta bola que nos gira sob os pés. Bola de esponja que vai absorvendo o nosso tempo e sangue e vai desnudando a nossa essência de seres-apenas-seres.
Fazemos equilíbrio é o que fazemos! Ao suportar tanta instabilidade quando a bola pequena gira. Gira constantemente. E por vezes deixamo-nos cair no chão entre o lixo e os ratos… como bonecos de palha."

(Leila Marques)