terça-feira, 2 de maio de 2006

Revolta recuperada




Não é um discurso de vitimização pessoal, mas apetecia.

São tremendamente infinitos os mistérios da incompetência. Se é, como se diz de boca cheia e bolsos cheios de culpa, um problema exclusivo do nosso país não sei, mas assino em letras bem legíveis o formulário que diz que o há em abundância por este país. E custa ver, custam as mãos cheias de cinco minutos que se perde por cada incompetência. Ou será antes por pouca motivação para fazer bem? Ou mesmo preguiça? Mente fraca?
Concretizando: a felicidade está totalmente vedada à marioneta que se arrasta de balcão em balcão com um problema nas mãos que ninguém resolve. A falta de coordenação dos serviços nacionais é tão catastrófica que até dá vontade de fugir. Pior: dá sincera vontade de ler obras de gurus da Gestão.

Um homem que passe, no mesmo mês, pelas mãos dos senhores das operadoras de tv por cabo, pela fila dos serviços postais, por todos os balcões do mesmo banco até chegar ao correcto, ou pela burocracia das empresas de água semi-privadas, não pode, de forma alguma, ser feliz.
E, como me deixoir abaixo com essas coisas, ora estou triste porque esse homem sou eu, ora estou triste porque esses outros homens mereciam-no tanto como eu.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Directo (II)

Como não partilhar essa repulsa? É absolutamente inadmissível que façamos da dor de uns um espectáculo televisivo de pseudo-sofrimento generalizado. E as audiências sobem... Sem pudor!

terça-feira, 18 de abril de 2006

Directo

A vida é simples, a morte também, vamos filmar tudo. E pronto, não há filosofia que resista. Argumentos para quê? Premissas, conclusões, ensaios? Nada. Filma-se tudo, sem pensar, e está a andar na mota da audiência. Já não há mesmo paciência. Nem palavras.
Desde a vergonhosa (VER-GO-NHO-SA!!) cobertura, em directo, do funeral do futebolista Miklos Féher que não se via nada tão absurdo. Não há respeito por ninguém, porque a máquina é rápida, não há tempo para pensar, é tudo simples, a bateria ainda acaba, a vida é simples, a morte ainda é mais. Vamos filmar tudo. Em directo.

terça-feira, 14 de março de 2006

Altruísmo, a manifestação moralmente correcta do egocentrismo…

[Ora, com a promessa de ressuscitar a vida e a crítica que este espaço merece, aqui fica um grande texto de uma amiga minha, Leila Marques, que aborda (com uma intensidade impressionante) o tema do altruísmo e as suas contradições. Não poderia regressar de melhor forma. Ei-lo:]

"Solidariedade. Complexo soletrado em vocábulos de quem pouco entende o mundo e se refugia na luz dos candeeiros longínquos do pensamento. Hesitação. Caligrafia dos vendados, amordaçados na escuridão da inércia e da pseudo e conveniente impotência moral sobre a miséria. Ficar imóvel e lamentar o declínio do mundo faz de cada um de nós um delinquente. Porque não lutamos e é a nossa introspecção que nos faz sentir bem connosco próprios. O altruísmo que nos cega é o amor necessário ao nosso eu.
É isto que faz do mundo uma iniquidade evidente entre dois pontos cardeais quase sobrepostos. O mundo, essa infinidade do espaço e contraste da espécie de origem comum com gene recessivo da injustiça social… manifestado em cada um de nós. A Terra. Objecto barato exposto na montra dos ociosos. Que não dão a mão. Que só oferecem um sorriso por trás de um vidro infinito. Vidro fosco que não deixa transparecer os alfinetes que o seguram. Ensaiado, forçado é o amor que temos para dar e o vazio e o quimérico é o que realmente recebemos. Entre nós iguais, que deixamos a bola girar sobre o nosso nariz e o sol à nossa volta.
Antropocentrismo. No amor. A cada instante.
É por isso que quase não vale a pena voar mil quilómetros para darmos um pouco de nós a quem nunca nos viu, quando não nos damos a quem nos rodeia perpetuamente.

É por isso que enquanto humanos desamparados pelo nosso próprio exemplo, por vezes caímos no chão entre o lixo e os ratos, frívolos e inconscientes como bonecos de palha. Voltamos à terra e aos parasitas desta bola que nos gira sob os pés. Bola de esponja que vai absorvendo o nosso tempo e sangue e vai desnudando a nossa essência de seres-apenas-seres.
Fazemos equilíbrio é o que fazemos! Ao suportar tanta instabilidade quando a bola pequena gira. Gira constantemente. E por vezes deixamo-nos cair no chão entre o lixo e os ratos… como bonecos de palha."

(Leila Marques)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006